Wednesday, April 23, 2008

O trabalho

O trabalho1

Toni Negri2

Vacarme 09 - automne 1999

Há trabalho em excesso, porque todos trabalham e todos contribuem para a construção da riqueza social. Esta riqueza nasce da comunicação, da circulação e da capacidade de coordenar os esforços de cada um. Como diz Christian Marazzi (La place des chaussettes, Éditions de l'Éclat, Paris, 1997)3, a produção da riqueza é assegurada hoje por uma comunidade biopolítica (o trabalho daqueles que têm um emprego, mas também o trabalho dos estudantes, das mulheres, de todos os que contribuem para a produção da afetividade, a sensibilidade, dos modos de semiotização da subjetividade), produção da riqueza que os capitalistas comandam e organizam através da "deflação", ou seja, a compressão de todos os custos que a cooperação produtiva e as condições sociais de sua reprodução exigem. A passagem da "inflação" (de desejos e necessidades) dos anos que se seguiram a 68 à deflação dos custos representa a transição capitalista do moderno ao pós-moderno, do fordismo ao pós-fordismo. É uma transição política no seio da qual o trabalho assalariado foi exaltado como matriz fundamental da produção das riquezas. Mas o trabalho ficou separado da sua potência política. Esta potência política vinha dos trabalhadores agrupados nas fábricas, organizados dentro de estruturas sindicais e políticas fortes. A destruição destas estruturas deixou atrás de si uma massa informe - em um olhar de fora - de proletários que se movimentam no território: um verdadeiro formigamento que produz riquezas por meio da colaboração e cooperação contínuas. De fato, se olhamos o mundo debaixo, o mundo das formigas, aí onde se desenrola nossa vida, percebemos a incrível capacidade produtiva que estes trabalhadores doravante adquiriram. Eis o inacreditável paradoxo face ao qual nos encontramos. O trabalho ainda é considerado como emprego, como trabalho "empregado" pelo capital, nas estruturas que o submetem, diretamente, à organização capitalista da produção.

A legitimidade social e produtiva da atividade está sempre submetida à "empregabilidade" - neologismo bárbaro, mas que exprime bem a nova natureza da subordinação - pela empresa ou pelo Estado. Passou-se progressivamente do "trabalho" ao "emprego", mas o que valida a atividade não é tanto a participação efetiva na produção da riqueza - quantos empregos são "improdutivos" deste ponto de vista - mas a subordinação às formas de controle da empresa ou do Estado. O que determina um consenso de fundo sobre o "trabalho" entre esquerda e direita, entre patrões e sindicatos.

No entanto, hoje, este vínculo entre produção da riqueza e trabalho assalariado que é um antigo vínculo marxiano, mas que, antes de ser marxiano, foi um laço estabelecido pela economia política clássica, foi rompido. O trabalhador, hoje, não tem mais necessidade de instrumentos de trabalho (ou seja, de capital fixo) que sejam postos à sua disposição pelo capital. O capital fixo mais importante, o que determina os diferenciais de produtividade, doravante, encontra-se no cérebro das pessoas que trabalham, é a máquina-ferramenta que cada um de nós é portador. É essa a novidade absolutamente essencial da vida produtiva, atualmente. É um fenômeno completamente essencial, porque precisamente o capital, através da sua renovação, sua mudança interna, através da revolução neo-liberal, através da redefinição do Estado-providência "devora" esta força de trabalho. Mas como ele a devora? Ele o faz em uma situação que é estruturalmente ambígua, contraditória e antagônica. A atividade produtora de riquezas não se reduz ao emprego. Os desempregados trabalham, o trabalho negro é mais produtor de riquezas do que o dos empregados. E, inversamente, o emprego é tão assistido quanto o desemprego. A flexibilidade e a mobilidade da mão-de-obra não foram impostas nem pelo capital, nem pelo fracasso dos acordos sobre o salário e sobre a redistribuição da renda entre patrões, sindicatos e Estado, acordos que praticamente dominaram a vida social e política nos últimos cinqüenta anos. Hoje, encontramo-nos em uma situação na qual, precisamente, o trabalho é "livre". Naturalmente, o capital ganhou e antecipou as possibilidades de organizar politicamente as novas formas de cooperação produtiva e o "poder" político dessas. No entanto, se olhamos um pouco para trás e, sem por isso, pecar por otimismo, é necessário também dizer que a força de trabalho que se conheceu, ou seja, a classe operária, lutou para recusar a disciplina da fábrica. E de novo se é confrontado com o problema da avaliação de uma transição política que é, historicamente, tão importante como aquela que passou do Antigo Regime à Revolução. Pode-se justificadamente dizer que se viveu, na segunda metade século XX, uma transição no seio da qual o trabalho se emancipou. E emancipou-se pela sua capacidade de se tornar intelectual, imaterial; ele se emancipou da disciplina da fábrica. E é precisamente isto que determina a possibilidade de uma revolução global, fundamental e radical da sociedade contemporânea capitalista. O capitalista é doravante um parasita: não tanto como capitalista financeiro, nos termos marxistas clássicos, mas porque ele não tem mais a capacidade de dominar unilateralmente a estrutura do processo do trabalho, por meio da divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual. As novas formas da subjetividade quebraram e tornaram reversível esta separação, produzindo um meio de expressão da sua própria força e um terreno de luta e de negociação.

O salário garantido

Há concepções redutoras do salário garantido como as que conhecemos na França, por exemplo, com o RMI4, que é uma forma de remuneração da miséria. Essas são formas de remuneração da exclusão, das novas leis sobre os pobres. Para uma massa de pobres, para as pessoas que não se inserem de maneira constante no circuito do salário, concede-se um pouco de dinheiro para que possam reproduzir-se e não provoquem escândalo social. Existe, então, níveis mínimos de salário garantido, de subsistência, que correspondem à necessidade de uma sociedade em evitar a criação do escândalo da mortalidade, o escândalo da "pestilência", pois a exclusão pode transformar-se em pestilência. As leis sobre os pobres nasceram precisamente diante desse perigo, na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII. Há, por conseguinte, formas de salário garantido desse tipo.

Mas o problema do salário garantido é totalmente diferente. Trata-se de compreender que a base da produtividade não é o investimento capitalista, mas o investimento do cérebro humano socializado. Em outras palavras: o máximo de liberdade do trabalho torna-se o fundamento absoluto da produção de riqueza. O salário garantido significa a distribuição de uma grande parte da renda, deixando aos sujeitos produtivos a capacidade de gastar esta renda para sua própria reprodução produtiva. Ele torna-se o elemento fundamental. O salário garantido é a condição de reprodução de uma sociedade na qual os homens, por meio da sua liberdade, tornam-se produtivos.

Obviamente, neste momento, os problemas de produção e de organização política tornam-se idênticos. Se conduzimos o raciocínio até o fim, somos levados a unificar a economia política e a ciência da política, a ciência do governo. Só as formas da democracia - uma democracia radical e absoluta, mas não sei se o termo democracia pode ainda ser utilizado aqui - são suscetíveis de ser as formas que determinam a produtividade: uma democracia substancial, real e na qual a igualdade de rendas asseguradas tornar-se-ia sempre maior, sempre mais fundamental.

Poder-se-á sempre debater, em seguida, com realismo as medidas incitativas, mas esses são problemas que não nos interessam verdadeiramente. Hoje, o verdadeiro problema é a necessidade de reverter o ponto de vista segundo o qual a crítica da economia política se desenvolveria por si mesma[?], isto é, pela necessidade de investimento capitalista. Isto não é novo, discutiu-se durante os anos da reinvenção fundamental da cooperação produtiva pela vida, seja ela lingüística, afetiva, ou aquela que pertence aos sujeitos.

O salário garantido, como condição de reprodução destes sujeitos na sua riqueza, torna-se, então, hoje essencial. Não há mais necessidade de nenhuma alavanca de poder, não há mais necessidade de nenhum transcendental, nem de nenhum investimento cuja função não é, como se diz, "de antecipar os empregos de amanhã", mas de antecipar e comandar as divisões no interior do proletariado entre desempregados e ativos, entre assistidos e produtivos, entre "protegidos" e "desprotegidos".

Trata-se de uma utopia, deste tipo de utopia que se torna uma máquina de transformação do real unicamente com a condição que ela se ponha em ação. Uma das coisas mais belas hoje é precisamente o fato de que este espaço público de liberdade e de produção começa a se definir, portando verdadeiramente nele a destruição do que existe como organização do poder produtivo e, então, como organização do poder político.

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Notas da tradução

1. Fonte: << http://perso.wanadoo.fr/marxiens/politic/revenus/saga.htm >>

2. Traduzido por: Cecília Pires e Celso Candido, professores de Filosofia UNISINOS.

3. Ver: << http://www.lyber-eclat.net/lyber/marazzi/place_des_chaussettes.html >>

4. RMI - Revenu minimum d'insertion: Renda Mínima de Inserção.


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Le travail


Toni Négri

    Du travail il y en a trop, parce que tout le monde travaille, et que tout le monde contribue à la construction de la richesse sociale. Cette richesse naît de la communication de la circulation et de la capacité à coordonner les efforts de chacun. Comme le dit Christian Marazzi (La place des chaussettes, Éditions de l'Éclat, Paris, 1997), la production de la richesse est assurée aujourd'hui par une communauté bio-politique (le travail de ceux qui ont un emploi. mais aussi le travail des étudiants, des femmes, de tous ceux qui contribuent à la production de l'affectivité, de la sensibilité, des modes de sémiotisation de la subjectivité), production de la richesse que les capitalistes commandent et organisent à travers la "désinflation", c'est-à-dire la compression de tous les coûts que la coopération productive et les conditions sociales de sa reproduction exigent. Le passage de "l'inflation" (de désirs et de besoins) des années suivant 68 à la désinflation des coûts représente la transition capitaliste du moderne au post-moderne, du fordisme au post-fordisme. C'est une transition politique au sein de laquelle le travail salarié a été exalté comme matrice fondamentale de la production des richesses. Mais le travail a été séparé de sa puissance politique. Cette puissance politique venait de travailleurs regroupés au sein des usines, organisés à l'intérieur de structures syndicales et politiques fortes. La destruction de ces structures a laissé derrière elle une masse informe - pour un regard extérieur - de prolétaires qui s'agitent sur le territoire : un véritable fourmillement. qui produit des richesses à travers une collaboration et une coopération continues. En fait, si on regarde le monde d'en bas, le monde des fourmis, là où se déroule notre vie, on s'aperçoit de l'incroyable capacité productive que ces travailleurs ont désormais acquise. C'est cela l'incroyable paradoxe face auquel nous nous trouvons. C'est que le travail est encore considéré comme emploi, comme travail "employé" par le capital, dans des structures qui l'assujettissent directement à l'organisation capitaliste de la production.

    La légitimité sociale et productive de l'activité est toujours soumise à l' "employabilité" - néologisme barbare, mais qui exprime bien la nouvelle nature de la subordination - par l'entreprise ou par l'État. On a glissé progressivement du "travail" à l'"emploi", mais ce qui valide l'activité n'est pas tellement la participation effective à la production de la richesse - combien d'emplois sont "improductifs" de ce point de vue - mais la subordination à des formes de contrôle de l'entreprise ou de l'État. Ce qui détermine un consensus de fond sur le "travail" entre gauche et droite, entre patrons et syndicats.

    Pourtant aujourd'hui, ce lien entre production de la richesse et travail salarié qui est un vieux lien marxien, mais qui, avant d'être marxien, a été un lien établi par l'économie politique classique, a été rompu. Le travailleur, aujourd'hui n'a plus besoin d'instruments de travail (c'est-à-dire de capital fixe) qui soient mis à sa disposition par le capital. Le capital fixe le plus important, celui qui détermine les différentiels de productivité, désormais se trouve dans le cerveau des gens qui travaillent, c'est la machine-outil que chacun d'entre nous porte en lui. C'est cela la nouveauté absolument essentielle de la vie productive, aujourd'hui. C'est un phénomène complètement essentiel, parce que précisément le capital, à travers son renouvellement, son changement interne, à travers la révolution néo-libèrale, à travers la redéfinition de l'État-providence "dévore" cette force de travail. Mais comment la dévore-t-il ? Il le fait dans une situation qui est structurellement ambiguë, contradictoire et antagoniste. L'activité productrice de richesses n'est pas réductible à l'emploi. Les chômeurs travaillent, le travail au noir est plus producteur de richesses que celui des employés. Et, inversement, l'emploi est aussi assisté que le chômage. La flexibilité et la mobilité de la main-d'oeuvre n'ont été imposées ni par le capital, ni par l'échec des accords sur le salaire et sur la redistribution du revenu entre patrons, syndicats et État, accords qui ont pratiquement dominé la vie sociale et politique dans les cinquante dernières années. Aujourd'hui, on se trouve dans une situation où, précisément, le travail est "libre". Bien entendu, le capital a gagné, il a anticipé les possibilités d'organiser politiquement les nouvelles formes de coopération productive et la "puissance" politique de celle-ci. Pourtant, si on prend un peu de recul, et sans pécher pour cela par optimisme, il faut aussi dire que la force de travail que l'on a connue, c'est-à-dire la classe ouvrière, a lutté pour refuser la discipline d'usine. Et l'on est à nouveau confronté au problème de l'évaluation d'une transition politique qui est, historiquement, aussi importante que celle qui fait passer de l'Ancien Régime à la Révolution. On peut à bon droit dire qu'on a vécu, dans la seconde moitié du XXe siècle, une transition au sein de laquelle le travail s'est émancipé. Il s'est émancipé par sa capacité à devenir intellectuel, immatériel ; il s'est émancipé de la discipline d'usine. Et c'est précisément cela qui détermine la possibilité d'une révolution globale, fondamentale et radicale de la société contemporaine capitaliste. Le capitaliste est désormais un parasite : non pas en tant que capitaliste financier, dans les termes marxistes classiques, mais parce qu'il n'a plus la capacité de maîtriser unilatéralement la structure du processus du travail, à travers la division entre travail manuel et travail intellectuel. Les nouvelles formes de subjectivité ont cassé et rendu réversible cette séparation, en produisant un moyen d'expression de leur propre puissance et un terrain de lutte et de négociation.

Le salaire garanti

    Il y a des conceptions réductrices du salaire garanti comme celles que nous avons connues en France, par exemple avec le RMI, qui est une forme de salarisation de la misère. Ce sont des formes de salarisation de l'exclusion, des nouvelles lois sur les pauvres. A une masse de pauvres, à des gens qui ne réussissent pas à s'insérer de manière constante dans le circuit du salaire, on attribue un peu d'argent afin qu'ils puissent se reproduire et qu'ils ne provoquent pas de scandale social. Il existe donc des niveaux minimums de salaire garanti, de subsistance, qui correspondent à la nécessité qu'une société a d'éviter de créer le scandale de la mortalité, le scandale de la "pestilence" puisque l'exclusion peut se transformer en pestilence. Les lois sur les pauvres sont précisément nées face à ce danger, dans l'angleterre des XVII et XVIII siècle. Il y a donc des formes de salaire garanti de ce type.

    Mais le problème du salaire garanti est tout autre. Il s'agit de comprendre que la base de la productivité n'est pas l'investissement capitaliste mais l'investissement du cerveau humain socialisé. En d'autres termes : le maximum de liberté du travail, devient le fondement absolu de la production de richesse. Le salaire garanti signifie la distribution d'une grande partie du revenu, tout en laissant aux sujets productifs la capacité de dépenser ce revenu pour leur propre reproduction productive. Il devient l'élément fondamental. Le salaire garanti est la condition de reproduction d'une société dans laquelle les hommes, à travers leur liberté, deviennent productifs.

    Bien évidemment, à ce moment là, les problèmes de production et d'organisation politique deviennent identiques. Si l'on tient le raisonnement jusqu'au bout, on est amené à unifier l'économie politique et la science de la politique, la science du gouvernement. Seules les formes de la démocratie - une démocratie radicale et absolue, mais je ne sais si le terme de démocratie peut encore être utilisé ici - sont susceptibles d'être les formes qui déterminent la productivité : une démocratie substantielle, réelle et dans laquelle l'égalité des revenus garantis deviendrait toujours plus grande, toujours plus fondamentale.

    On pourra toujours débattre par la suite, avec réalisme des mesures incitatives, mais ce sont des problèmes qui ne nous intéressent pas vraiment. Aujourd'hui, le vrai problème, c'est la nécessité de renverser le point de vue selon lequel la critique de l'économie politique se développerait elle-même[?], c'est à dire la nécessité de l'investissement capitaliste. Ce n'est pas nouveau, on a discuté pendant des années de la réinvention fondamentale de la coopération productive à travers la vie, quelle soit linguistique, affective, ou qu'elle appartienne aux sujets.

    Le salaire garanti, en tant que condition de reproduction de ces sujets dans leur richesse devient donc aujourd'hui essentiel. Il n'y a plus besoin d'aucun levier de pouvoir, il n'y a plus besoin d'aucun transcendantal, ni d'aucun investissement dont la fonction n'est pas, comme on dit, "d'anticiper les emplois de demain", mais d'anticiper et commander les divisions à l'intérieur du prolétariat entre chômeurs et actifs, entre assistés et productifs, entre "affiliés" et "désaffiliés".

    Il s'agit d'une utopie, de ce type d'utopie qui devient une machine de transformation du réel à la seule condition qu'on la mette en action. Une des choses les plus belles aujourd'hui, c'est précisément le fait que cet espace public de liberté et de production commence à se définir, portant vraiment en lui la destruction de ce qui existe comme organisation du pouvoir productif, et donc comme organisation du pouvoir politique.

VACARME 9 (Exil, Mille et une nuits).

Texto completo aqui: http://www.vacarme.eu.org/article1064.html