Sunday, October 09, 2005

GIORGIO AGAMBEN : NOTAS SOBRE A POLÍTICA

A queda do partido comunista soviético e a dominação sem véus em escala planetária do Estado democrático-capitalista eliminaram os dois obstáculos ideológicos maiores que se opunham à reconsideração de uma filosofia política digna de nosso tempo: o stalinismo de um lado, o progressismo e o Estado de direito de outro. O pensamento se encontra assim pela primeira vez confrontado a sua tarefa sem nenhuma ilusão e sem nenhum álibi possível. Por todo lado, sob nossos olhos, conclui-se a "grande transformação" que arrasta um após o outro os reinos de nosso planeta (repúblicas e monarquias, tiranias e democracias, federações e Estados nacionais) em direção ao Estado espetacular integrado (Debord) ou "capital-parlamentarismo" (Badiou), grau último da forma Estado. E, assim como a grande transformação da primeira revolução industrial destruiu as estruturas sociais e políticas e as categorias do direito público do Antigo Regime, também os termos soberania, nação, povo e democracia e vontade geral recobrem a partir de agora uma realidade que nada tem a ver com aquela que esses conceitos designavam, e aquele que continua a deles se servir de modo acrítico não sabe literalmente do que fala. A opinião pública e o consenso nada tem a ver com a vontade geral, como a "polícia internacional" que conduz hoje as guerras nada tem a ver com a soberania do Jus publicum europaeum. A política contemporânea é esta experiência devastadora que desarticula e esvazia de seu sentido instituições e crenças, ideologias e religiões, identidades e comunidades, por todo o planeta, para os repropor sob uma forma definitivamente marcada pela nulidade.









O pensamento que vem deverá, entretanto, tentar levar a sério o tema hegeliano-kojéviano (e marxista) do fim da história, assim como o tema heideggeriano da entrada na Ereignis como fim da história do ser. Esta questão opõe hoje aqueles que pensam o fim da história sem o fim do Estado (os teóricos pós-kojévianos ou pós-modernos da realização do processo histórico da humanidade em um Estado universal homogêneo) e aqueles que pensam o fim do Estado sem o fim da história (os progressismos da diversos ramos). Ambas as posições ficam aquém de sua tarefa, pois pensar a extinção do Estado sem a realização do telos histórico é tão impossível quanto pensar uma realização da história na qual perduraria a forma vazia da soberania estatal. Assim como a primeira tese revela toda sua impotência diante da sobrevivência tenaz, numa transição infinita, da forma estatal, também a segunda se choca com a resistência cada vez mais viva das instâncias históricas (de tipo nacional, religioso ou étnico). As duas posições podem por outro lado co-habitar perfeitamente através da multiplicação das instâncias estatais tradicionais (isto é, de tipo histórico), sob a égide de um organismo técnico-jurídico de vocação pós-histórico.

Só um pensamento capaz de imaginar ao mesmo tempo o fim do Estado e o fim da história, e de mobiliza-los um contra o outro, pode se revelar a altura da tarefa. É o que procurou fazer, ainda de modo insuficiente, o Heidegger dos últimos anos com a idéia de um Ereignis, de um evento último, no qual o que é apropriado e assim subtraído ao destino histórico é a retirada mesma do princípio historicizante, a própria historicidade. Se a história significa a expropriação da natureza humana em uma série de épocas e destinos históricos, a realização e a apropriação do telos histórico não significa que o processo histórico da humanidade conheça hoje um agenciamento definitivo (cuja gestão possa ser confiada a um Estado homogêneo universal), mas que a mesma historicidade anárquica que, sempre restando pressuposta, destinou o homem em épocas e culturas históricas diferentes, deve hoje se elevar como tal ao pensamento, isto é, o homem deve se apropriar hoje de seu ser histórico próprio, de sua própria impropriedade. O devir próprio (natureza) do impróprio (linguagem) não pode ser formalizado nem reconhecido segundo a dialética hegeliana da Anerkennung [reconhecimento], pois ele é, na mesma medida, um devir impróprio (linguagem) do próprio (natureza).

Por esta razão, a apropriação da historicidade não pode revestir ainda uma vez a forma estatal - o Estado não sendo outro coisa senão a pressuposição e a representação da arché histórica enquanto esta permanece oculta, mas deve deixar campo livre a uma vida humana e a uma política não-estatal e não jurídica, que permanecem ainda inteiramente por pensar.

Os conceitos de soberania e poder constituinte que estão no coração da nossa tradição política devem ser abandonados ou, ao menos, totalmente repensados. Eles marcam o ponto de indiferença entre violência e direito, natureza e logos, próprio e impróprio e, como tais, designam não um atributo ou um órgão de ordem jurídica ou do Estado, mas sua própria estrutura original. A soberania é a idéia de um laço indecidido entre violência e direito, e esse laço tem necessariamente a forma paradoxal de uma decisão sobre o estado de exceção (Carl Schmitt) ou de um ban [interdito] (Nancy), no qual a lei (a linguagem) mantém sua relação com o vivente retirando-se, abandonando-o à sua própria violência e à sua própria ir-relação. A vida sagrada, isto é, pressuposta e abandonada pela lei em um estado de exceção, é a portadora muda da soberania, o verdadeiro sujeito soberano.

A soberania é a guardiã que vigia para que o limiar indecidido entre violência e direito, natureza e linguagem, não seja posto à luz. Nós devemos ao contrário manter os olhos fixados sobre o que a estátua da justiça (que, como lembra Montesquieu, devia ser coberta no momento em que fosse proclamado o estado de exceção) não deveria ver, sobre o que é hoje entretanto claro para todos, isto é, que o estado de exceção tornou-se a regra, que a vida nua é imediatamente portadora do laço de soberania e que, como tal, ela se encontra hoje abandonada a uma violência tanto mais eficaz quanto ele reveste um caráter anônimo e cotidiano.

Se ela (a soberania) é hoje uma potência social, ela deve ir até o fim de sua própria impotência e, declinando toda vontade tanto de por o direito quanto de o manter, fazer por todo o lado explodir o laço entre violência e direito, entre vivente e linguagem que constitui a soberania.

Enquanto o declínio do Estado deixa por todo lado subsistir seu envoltório vazio, pura estrutura de soberania e de dominação, a sociedade em seu conjunto irrevogavelmente se volta para o modelo da sociedade de consumo e de produção visando o bem estar. Os teóricos da soberania política como Schmitt viam aí o signo mais certo do fim da política. E, em verdade, as massas planetárias de consumidores (quando elas não recaem simplesmente nos velhos ideais étnicos ou religiosos) não deixam entrever nenhuma nova figura de polis.

Todavia, o problema que deve afrontar a nova política é precisamente este: como uma política que seria unicamente voltada à completa fruição da vida é possível nesse mundo? Mas não é esse precisamente, olhando bem, o objetivo mesmo da filosofia? E quando um pensamento político moderno nasce com Marsílio de Pádua, este não se define pela retomada com fins políticos do conceito averroísta de "vida suficiente" e de bene vivere? Benjamin, ele também, no Fragmento teológico-político, não deixa nenhuma dúvida quanto ao fato de que "a ordem do profano deve ser orientada em direção à idéia de felicidade". A definição do conceito de "vida feliz" (que, em verdade, não deve ser separado da ontologia, porque do "ser nós não temos outra experiência senão viver") permanece uma das tarefas essenciais do pensamento que vem.

A "vida feliz" sobre a qual deve se fundar a filosofia não pode mais ser nem a vida nua que pressupõe a soberania para dela fazer seu próprio sujeito, nem a estraneidade impenetrável da ciência moderna que se busca hoje em vão sacralizar, mas bem ao contrário, uma "vida suficiente" e absolutamente profana, que atingiu a perfeição de sua própria potência e de sua própria comunicabilidade, e sobre a qual a soberania e o direito não têm mais nenhum domínio.

O plano de imanência na qual se constitui a nova experiência política é a expropriação da linguagem produzida pelo Estado-espetáculo. Com efeito, enquanto no Antigo Regime a estraneidade* da essência comunicativa do homem se substancializava em um pressuposto que fazia função de fundamento comum (a nação, a língua, a religião...), no Estado contemporâneo é esta comunicabilidade mesma, esta essência genérica mesma (isto é, a linguagem) que se constitui como esfera autônoma, na medida em que ela torna-se fator essencial do ciclo produtivo. O que incomoda a comunicação é a própria comunicabilidade, os homens são separados por isso que os une.

Entretanto, isso quer dizer também que, no espetáculo, é nossa natureza lingüística que retorna, revertida. É por esta razão (justamente porque a possibilidade mesma do Comum é expropriada) que a violência do espetáculo é tão destrutiva; mas, pela mesma razão, ela contém também alguma coisa como uma possibilidade positiva que pode ser utilizada contra si própria. A época que nós estamos por viver é, com efeito, também aquela na qual torna-se pela primeira vez possível para os homens fazer a experiência de sua essência lingüística - não de tal ou tal conteúdo da linguagem, mas do próprio fato de que fala-se.

A experiência que está aqui em questão não tem nenhum conteúdo objetivo, e não é formulável em proposições sobre um estado de coisas ou uma situação histórica. Ela nada tem a ver com um 'estado', mas com um evento de linguagem, ela não concerne a tal ou tal gramática, mas, por assim dizer, ao factum loquendi como tal. Ela deve concebida como uma experiência concernente à matéria mesma ou à potência do pensamento (em termos spinozanos, uma experiência de potentia intellectus, sive de libertate).

Pois o que está em jogo nesta experiência não é, de nenhuma maneira, a comunicação enquanto destino e fim específico do homem ou como condição lógico-transcendental da política (o que é o caso nas pseudo-filosofias da comunicação), mas a única experiência material possível do ser genérico (isto é, a experiência da comparution ou, em termos marxistas, do general intellect). A primeira conseqüência que deriva da experiência do ser genérico é a abolição da falsa alternativa entre fins e meios que paralisa toda ética e toda política. Uma finalidade sem meios (o bem e o belo como fins em si) produz tanta estraneidade como uma medialidade** [médialité] pura, do ser-em-um-meio como condição genérica irredutível dos homens. A política é a exibição de uma medialidade, ela torna visível um meio enquanto tal. Não é a esfera de um fim em si, nem de meios subordinados a um fim, mas a de uma medialidade pura e sem fim como campo da ação e do pensamento humano.

A segunda conseqüência do experimentum linguae é que para além dos conceitos de apropriação e expropriação, o que importa sobretudo é pensar a possibilidade e as modalidade de um livre uso. A práxis e reflexão política se movem hoje exclusivamente no seio da dialética entre o próprio e o impróprio, na qual seja o impróprio (e é o que se passa nas democracias industriais) impõe por todo lado sua dominação em uma vontade desenfreada de falsificação e de consumo; seja, como se passa nos Estados integristas ou totalitários, o próprio pretende excluir de si próprio toda impropriedade. Se, por outro lado, chamamos Comum o ponto de indiferença entre o próprio e o impróprio, isto é, qualquer coisa que não pode jamais ser apreendida em termos de apropriação ou expropriação, mas somente como uso, então o problema político essencial torna-se: "como fazer uso do comum" (Heidegger pensava talvez em qualquer coisa desse gênero quando ele formulava seu conceito supremo não como apropriação ou expropriação, mas como apropriação de uma expropriação.).

Somente se conseguirem articular o lugar, os modos e os sentidos desta experiência do evento da linguagem com uso livre do Comum e como esfera dos puros meios, é que as novas categorias do pensamento político - "comunidade dos sem obra", "igualdade", "fidelidade", "intelectualidade de massa", "povo por vir", "singularidade qualquer" - poderão dar uma forma à matéria política que nos encara.

__________________________________________________

[*] Situação jurídica do indivíduo estrangeiro no país em que se encontra.

[**] De medial (que medeia, que se encontra entre duas coisas ou elementos).
[Recolhido em: http://geocities.yahoo.com.br/polis_contemp/polis_agamben.html ]

Introdução à vida não fascista

Preface in: Gilles Deleuze e Félix Guattari. Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia, New York, Viking Press, 1977, pp. XI-XIV. Traduzido por wanderson flor do nascimento.

Durante os anos 1945-1965 (falo da Europa) existia uma certa forma correta de pensar, um certo estilo de discurso político, uma certa ética do intelectual. Era preciso ser unha e carne com Marx, não deixar seus sonhos vagabundearem muito longe de Freud e tratar os sistemas de signos - e significantes - com o maior respeito. Tais eram as três condições que tornavam aceitável essa singular ocupação que era a de escrever e de enunciar uma parte da verdade sobre si mesmo e sobre sua época.

Depois, vieram cinco anos breves, apaixonados, cinco anos de jubilação e de enigma. Às portas de nosso mundo, o Vietnã, o primeiro golpe em direção aos poderes constituídos. Mas aqui, no interior de nossos muros, o que exatamente se passa? Um amálgama de política revolucionária e anti-repressiva? Uma guerra levada por dois frontes - a exploração social e a repressão psíquica? Uma escalada da libido modulada pelo conflito de classes? É possível. De todo modo, é por esta interpretação familiar e dualista que se pretendeu explicar os acontecimentos destes anos. O sonho que, entre a Primeira Guerra Mundial e o acontecimento do fascismo, teve sob seus encantos as frações mais utopistas da Europa - a Alemanha de Wilhem Reich e a França dos surrealistas - retornou para abraçar a realidade mesma: Marx e Freud esclarecidos pela mesma incandescência.

Mas é isso mesmo o que se passou? Era uma retomada do projeto utópico dos anos trinta, desta vez, da escada da prática social? Ou, pelo contrário, houve um movimento para lutas políticas que não se conformavam mais ao modelo prescrito pela tradição marxista? Para uma experiência e uma tecnologia do desejo que não eram mais freudianas? Brandiram-se os velhos estandartes, mas o combate se deslocou e ganhou novas zonas.

O Anti-Édipo mostra, pra começar, a extensão do terreno ocupado. Porém, ele faz muito mais. Ele não se dissipa no denegrimento dos velhos ídolos, mesmo se se diverte muito com Freud. E, sobretudo, nos incita a ir mais longe.

Ler o Anti-Édipo como a nova referência teórica seria um erro de leitura (vocês sabem, essa famosa teoria que se nos costuma anunciar: essa que vai englobar tudo, essa que é absolutamente totalizante e tranquilizadora, essa, nos afirmam, “que tanto precisamos” nesta época de dispersão e de especialização, onde a “esperança” desapareceu). Não é preciso buscar uma “filosofia” nesta extraordinária profusão de novas noções e de conceitos-surpresa. O Anti-Édipo não é um Hegel brilhoso. A melhor maneira, penso, de ler o Anti-Édipo é abordá-lo como uma “arte”, no sentido em que se fala de “arte erótica”, por exemplo. Apoiando-se sobre noções aparentemente abstratas de multiplicidades, de fluxo, de dispositivos e de acoplamentos, a análise da relação do desejo com a realidade e com a “máquina” capitalista contribui para responder a questões concretas. Questões que surgem menos do porque das coisas do que de seu como. Como introduzir o desejo no pensamento, no discurso, na ação? Como o desejo pode e deve desdobrar suas forças na esfera do político e se intensificar no processo de reversão da ordem estabelecida? Ars erótica, ars theoretica, ars politica.

Daí os três adversários aos quais o Anti-Édipo se encontra confrontado. Três adversários que não têm a mesma força, que representam graus diversos de ameaça, e que o livro combate por meios diferentes.

1) Os ascetas políticos, os militantes sombrios, os terroristas da teoria, esses que gostariam de preservar a ordem pura da política e do discurso político. Os burocratas da revolução e os funcionários da verdade.

2) Os lastimáveis técnicos do desejo - os psicanalistas e os semiólogos que registram cada signo e cada sintoma, e que gostariam de reduzir a organização múltipla do desejo à lei binária da estrutura e da falta.

3) Enfim, o inimigo maior, o adversário estratégico (embora a oposição do Anti-Édipo a seus outros inimigos constituam mais um engajamento político): o fascismo. E não somente o fascismo histórico de Hitler e de Mussolini - que tão bem souberam mobilizar e utilizar o desejo das massas -, mas o fascismo que está em nós todos, que martela nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, desejar esta coisa que nos domina e nos explora.

Eu diria que o Anti-Édipo (que seus autores me perdoem) é um livro de ética, o primeiro livro de ética que se escreveu na França depois de muito tempo (é talvez a razão pela qual seu sucesso não é limitado a um “leitorado” [“lectorat”] particular: ser anti-Édipo tornou-se um estilo de vida, um modo de pensar e de vida). Como fazer para não se tornar fascista mesmo quando (sobretudo quando) se acredita ser um militante revolucionário? Como liberar nosso discurso e nossos atos, nossos corações e nossos prazeres do fascismo? Como expulsar o fascismo que está incrustado em nosso comportamento? Os moralistas cristãos buscavam os traços da carne que estariam alojados nas redobras da alma. Deleuze e Guattari, por sua parte, espreitam os traços mais ínfimos do fascismo nos corpos.

Prestando uma modesta homenagem a São Francisco de Sales, se poderia dizer que o Anti-Édipo é uma Introdução à vida não fascista.[1]

Essa arte de viver contrária a todas as formas de fascismo, que sejam elas já instaladas ou próximas de ser, é acompanhada de um certo número de princípios essenciais, que eu resumiria da seguinte maneira se eu devesse fazer desse grande livro um manual ou um guia da vida cotidiana:

- Libere a ação política de toda forma de paranóia unitária e totalizante;

- Faça crescer a ação, o pensamento e os desejos por proliferação, justaposição e disjunção, mais do que por subdivisão e hierarquização piramidal;

- Libere-se das velhas categorias do Negativo (a lei, o limite, a castração, a falta, a lacuna), que o pensamento ocidental, por um longo tempo, sacralizou como forma do poder e modo de acesso à realidade. Prefira o que é positivo e múltiplo; a diferença à uniformidade; o fluxo às unidades; os agenciamentos móveis aos sistemas. Considere que o que é produtivo, não é sedentário, mas nômade;

- Não imagine que seja preciso ser triste para ser militante, mesmo que a coisa que se combata seja abominável. É a ligação do desejo com a realidade (e não sua fuga, nas formas da representação) que possui uma força revolucionária;

- Não utilize o pensamento para dar a uma prática política um valor de verdade; nem a ação política, para desacreditar um pensamento, como se ele fosse apenas pura especulação. Utilize a prática política como um intensificador do pensamento, e a análise como um multiplicador das formas e dos domínios de intervenção da ação política;

- Não exija da ação política que ela restabeleça os “direitos” do indivíduo, tal como a filosofia os definiu. O indivíduo é o produto do poder. O que é preciso é “desindividualizar” pela multiplicação, o deslocamento e os diversos agenciamentos. O grupo não deve ser o laço orgânico que une os indivíduos hierarquizados, mas um constante gerador de “desindividualização”;

- Não caia de amores pelo poder.

Se poderia dizer que Deleuze e Guattari amam tão pouco o poder que eles buscaram neutralizar os efeitos de poder ligados a seu próprio discurso. Por isso os jogos e as armadilhas que se encontram espalhados em todo o livro, que fazem de sua tradução uma verdadeira façanha. Mas não são as armadilhas familiares da retórica, essas que buscam seduzir o leitor, sem que ele esteja consciente da manipulação, e que finda por assumir a causa dos autores contra sua vontade. As armadilhas do Anti-Édipo são as do humor: tanto os convites a se deixar expulsar, a despedir-se do texto batendo a porta. O livro faz pensar que é apenas o humor e o jogo aí onde, contudo, alguma coisa de essencial se passa, alguma coisa que é da maior seriedade: a perseguição a todas as formas de fascismo, desde aquelas, colossais, que nos rodeiam e nos esmagam até aquelas formas pequenas que fazem a amena tirania de nossas vidas cotidianas.


___________________________

[1] Francisco de Sales. Introduction à la vie devote
(1064). Lyon: Pierre Rigaud, 1609.

[Texto recolhido em: http://www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/]

O FILÓSOFO MASCARADO (MICHEL FOUCAULT)

Le Philosophe masqué (entrevista de C. Delacampagne), em ‘Le Monde" n. 10945, de 06 de abril de 1980: "Le Monde-Dimanche", pp. I e XVII. Em janeiro de 1980, Christian Delacampagne decidiu pedir a Foucault uma longa entrevista para o suplemento dominical de "Le Monde", dedicado principalmente aos debates culturais. Foucault aceitou imediatamente, mas apresentou uma condição de princípio: a entrevista deveria ficar anônima, o seu nome não deveria aparecer e importava eliminar todos os indícios que teriam permitido identificar a sua pessoa. Foucault justificou esta posição da seguinte maneira: a cena intelectual tornou-se presa da mídia, as "estrelas" prevalecem sobre as idéias, e o pensamento como tal acaba não sendo reconhecido; conseqüência disso é que aquilo que se diz conta menos do que a personalidade de quem fala. E também este tipo de crítica com relação à "midiatização" corre o risco de ser menosprezada, caso for pronunciada por alguém que, sem querê-lo, já ocupa um lugar no sistema da mídia, como era o caso de Foucault. A fim de romper com semelhantes efeitos perversos e para tentar que fosse dita uma palavra que não pudesse ser aniquilada pelo fama do autor, convinha decidir-se a entrar no anonimato. A idéia agradou a Delacampgne. Acordaram que a entrevista fosse feita a um "filósofo mascarado", isento de uma precisa identidade. Faltava convencer "Le Monde", que queria uma entrevista com Foucault, a aceitar um texto de "ninguém". Foi difícil, mas Foucault mostrou-se inflexível.











O segredo foi conservado até a morte de Foucault. Parece que bem poucos conseguiram descobri-lo. Em seguida, "Le Monde" e a editora La Découverte concordaram em juntar em volume esta entrevista com outros textos do mesmo autor. Conforme acontece nestes casos, "Le Monde" decidiu unilateralmente revelar o verdadeiro nome do "filósofo mascarado". O texto da entrevista cabe integralmente a Foucault, que elaborou inclusive as perguntas, junto com Delacampagne, e reescreveu com muito cuidado cada resposta.

Permita-me, em primeiro lugar, perguntar-lhe porque escolhe o anonimato.

Imagino que você conheça a história daqueles psicólogos que apresentaram breve filme numa localidade no coração da África profunda. Pedem aos espectadores que narrem a história da forma como a entenderam. Pois bem, de um drama com três personagens, só uma coisa os havia interessado: a passagem das sombras e das luzes através das árvores.

Entre nós, os personagens ditam lei à percepção. Os olhos voltam-se preferivelmente para as figuras que vão e vêm, aparecem e desaparecem.

Por que lhe sugeri de usar o anonimato? Por saudades do tempo em que eu era absolutamente desconhecido e, portanto, aquilo que dizia tinha alguma possibilidade de ser entendido. O contato imediato com o eventual leitor não sofria interferências. Os efeitos do livro refletiam-se em lugares imprevistos e desenhavam formas a que nunca havia pensado. O nome constitui uma facilitação.

Gostaria de propor um jogo: o do "ano sem nome". Por um ano publicar-se-iam apenas livros sem o nome do autor. Os críticos deveriam haver-se com uma produção completamente anônima. Mas penso que, talvez, não teriam nada a dizer: todos os autores esperariam o ano sucessivo para publicarem os seus livros...

Você acredita que, hoje, os intelectuais falam demais? Que nos atrapalham com os seus discursos diante de qualquer mínimo pretexto e, muitas vezes, até mesmo sem pretexto algum?

A morte dos intelectuais parece-me um estranho conceito. Intelectuais, nunca os encontrei. Encontrei pessoas que escrevem romances e pessoas que curam os doentes. Pessoas que estudam economia e pessoas que compõem música eletrônica. Encontrei pessoas que ensinam, pessoas que pintam e pessoas de quem não entendi se faziam alguma coisa. Mas nunca encontrei intelectuais.

Pelo contrário, encontrei muitas pessoas que falam do intelectual. E, por escutá-los tanto, construí para mim uma idéia de que tipo de animal se trata. Não é difícil, é o culpado. Culpado um pouco de tudo: de falar, de silenciar, de não fazer nada, de meter-se em tudo... Em suma, o intelectual é a matéria-prima a julgar, a condenar, a excluir...

Não penso que os intelectuais falem demais, porque para mim não existem. Mas penso que o discurso sobre os intelectuais esteja passando do limite e seja pouco encorajante.

Tenho uma feia mania. Quando as pessoas falam tanto por falar, quando fazem discursos que ficam no ar, procuro imaginar onde levariam as suas palavras se fossem transcritas na realidade. Quando "criticam" alguém, quando "denunciam" as suas idéias, quando "condenam" o que escreve, imagino-os numa situação ideal em que têm pleno poder sobre ele. Reproduzo as suas palavras no primeiro significado: "demolir", "abater", "reduzir ao silêncio", "sepultar". E vejo abrir-se a radiante cidade em que o intelectual certamente seria prisioneiro e enforcado, com maior razão se fosse um teórico. É verdade, não vivemos em uma região em que os intelectuais são mandados ao diabo; mas, na realidade, diga-me, por acaso ouviu falar de um certo Toni Negri? Por acaso não está na prisão exatamente enquanto intelectual?

Mas, então, o que o levou a entrincheirar-se atrás do anonimato? Um certo uso publicitário que, hoje, certos filósofos fazem ou permitem fazer do seu nome?

Isto não me perturba minimamente. Nos corredores do meu liceu vi grandes homens de gesso. E agora, nas primeiras páginas dos jornais, em baixo, vejo a foto do pensador. Não sei se a estética melhorou. A racionalidade econômica seguramente, sim...

No fundo, impressiona-me profundamente uma carta escrita por Kant, quando já era muito velho: contra a idade, a visão que se reduz e as idéias que se confundiam, apressava-se, assim narra, em terminar um livro para a feira do livro de Lípsia. Conto este episódio para demonstrar que não tem nenhuma importância. Publicidade ou não, feira ou não, o livro é coisa totalmente diferente. Nunca conseguirão levar-me a crer que um livro seja ruim porque se viu o seu autor à televisão. Mas nem sequer que seja bom só por este motivo.

Se escolhi o anonimato, não é para criticar isso ou aquilo, o que nunca faço. É um jeito de dirigir-me mais diretamente ao eventual leitor, o único personagem que me interessa: "já que não sabes quem sou, não sentirás a tentação de buscar os motivos pelos quais digo o que lês; deixa-te andar, diz simplesmente: é verdadeiro, é falso, gosto, não gosto. Isto basta".

Mas o público não espera que a crítica forneça juízos precisos sobre o valor de uma obra?

Não sei se o público espera que o crítico julgue as obras ou os autores. Mas creio que os juízes já estavam aí antes que o público pudesse dizer o que queria.

Parece que Courbet tinha um amigo que se acordava à noite urlando: "julgar, quero julgar". É incrível quanto as pessoas gostam de julgar. Julga-se em todo lugar, continuamente. Provavelmente, para a humanidade, é uma das coisas mais simples a fazer. Mas você sabe que o último homem, quando a última radiação houver reduzido o último adversário a cinzas, tomará uma mesa mal ajeitada, se sentará e começará o processo contra o responsável.

Não posso deixar de pensar em uma crítica que não procure criticar, mas fazer existir uma obra, uma frase, uma idéia; acenderia fogos, olharia a grama crescer, escutaria o vento e imediatamente tomaria a espuma do mar para a dispersar. Reproduziria, ao invés de juízos, sinais de vida; invocá-los-ia, arrancá-los-ia do seu sono. Quem sabe os inventaria? Tanto melhor, tanto melhor. A crítica sentenciosa faz-me adormentar; gostaria de uma crítica feita com centelhas de imaginação. Não seria soberana, nem vestida de vermelho. Traria consigo os raios de possíveis tempestades.

Há, porém, tantas coisas a conhecer, tantos trabalhos interessantes, que a mídia deveria falar todo o tempo de filosofia?

Certamente, entre a "crítica" e aqueles que escrevem livros existe um mal-estar de longa data. Uns não se sentem entendidos e outros acreditam que se queira fazer pressão sobre eles. Mas o jogo é este.

Parece-me que hoje a situação seja bastante particular. Temos instituições pobres, enquanto nos encontramos em situação de super-abundância.

Todos deram-se conta da exaltação que freqüentemente acompanha a publicação ( ou a reedição) de obras, que, aliás, às vezes são interessantes. Trata-se, sempre, de nada menos que a "subversão de todos os códigos", do "antagonista da cultura contemporânea", da "discussão radical de todo o nosso modo de pensar". O seu autor deve ser um marginal incompreendido.

Em compensação, não há dúvida de que os outros devam ser remetidos à obscuridade da qual nunca deveriam ter saído; não eram senão a espuma de "uma moda irrelevante", um simples produto institucional, etc.

Diz-se que se trata de um fenômeno parisiense e superficial. Contudo, eu percebo aí os efeitos de uma inquietação profunda. O sentimento do "nenhum lugar vazio", "ou ele ou eu", "um por vez". Está-se em fila indiana, por causa da extrema exigüidade de lugares em que se pode escutar e fazer-se ouvir.

Resulta daí uma espécie de angústia que irrompe em mil sintomas, mais ou menos curiosos. A partir disso, naqueles que escrevem, o sentimento da sua impotência diante da mídia, que é acusada de dominar o mundo dos livros e de dar existência ou de fazer desaparecer aqueles que agradam ou desagradam. A partir disso, nos críticos, o sentimento de conseguir fazer-se ouvir, a não ser que se levante o tom e se tire da cartola um coelho por semana. A partir disso, a pseudo-politização que mascara, sob a alegação da necessidade de mover uma "batalha ideológica" ou de acabar com os "pensamentos perigosos", a ânsia profunda de não ser lidos nem ouvidos. A partir disso, também a fobia fantástica do poder: cada pessoa que escreve exerce um poder inquietante a que se precisa pôr, se não um fim, pelo menos limites. A partir disso também a afirmação um pouco encantadora segundo a qual, atualmente, tudo é vazio, desolado, sem interesse e importância: afirmação que, evidentemente, provém daqueles que, não fazendo nada, pensam que os outros são supérfluos.

Mas não acredita que a nossa época é realmente sem espíritos à altura dos seus problemas e de grandes escritores?

Não, não acredito no refrão da decadência, da ausência de escritores, da esterilidade do pensamento, do horizonte negro e tétrico.

Creio, pelo contrário, que há uma abundância excessiva. E que não sofremos por causa do vazio, mas porque os meios para pensar em tudo o que acontece sejam demasiado poucos. Há muitíssimas coisas a conhecer: fundamentais, terríveis, maravilhosas ou estranhas, ao mesmo tempo minúsculas e capitais. Além disso, há uma curiosidade imensa, uma necessidade, um desejo de conhecer. Sempre lamentamos que a mídia embote a cabeça das pessoas. Nesta idéia há alguma misantropia. Acredito, pelo contrário, que as pessoas reagem: quanto mais se procura convencê-las, mais se interrogam. O espírito não é uma cera mole. É uma substância reativa. E o desejo de saber mais, melhor e diversamente, cresce à medida que se procura encher as cabeças.

Se isso for verdade e se acrescentarmos a isso que, na universidade e em outros lugares, se estão formando grandes quantidades de pessoas que podem servir de intermediários entre a massa de coisas e a avidez de saber, pode-se bem rapidamente deduzir que a desocupação dos estudantes é a coisa mais absurda que há. O problema consiste em multiplicar os canais, as passarelas, os meios de informação, as redes televisivas e as radiofônicas, os jornais.

A curiosidade foi um vício estigmatizado sucessivamente pelo Cristianismo, pela filosofia e até por uma certa concepção da ciência. Curiosidade, futilidade. Mesmo assim, a palavra me agrada. Sugere-me algo bem diferente: evoca a "cuidado", a atenção que se presta ao que existe ou poderia existir; um sentido agudo do real, que, porém, nunca se imobiliza diante disso; uma prontidão em julgar estranho e singular aquilo que nos circunda; uma certa obstinação em desfazer-se do que é familiar e em olhar as mesmas coisas de forma diferente; um ardor em colher o que acontece e aquilo que passa; uma desenvoltura com relação às hierarquias tradicionais entre o que é importante e o que é essencial.

Sonho com uma nova idade da curiosidade. Os meios técnicos existem; o desejo existe; as coisas a conhecer são infinitas; as pessoas que podem empenhar-se nesta tarefa existem. De que então sofremos? De escassez: canais estreitos, exígüos, quase monopolistas, insuficientes. Não se trata de adotar atitude protecionista para impedir que uma "má" informação invada e sufoque a "boa". Importa, pelo contrário, multiplicar os trajetos e as possibilidades de ir e vir. Nenhum colbertismo neste campo. O que não significa, como frequentemente se teme, uniformização e nivelamento por baixo. Significa, sim, diferenciação e simultaneidade de redes diferentes.

Imagino que, neste plano, a mídia e as universidades poderiam ter funções complementares, ao invés de continuarem a opor-se.

Você lembra a admirável frase de Sylvain Lévy: o ensino comporta um ouvinte; basta haver dois que se torna vulgarização. Também os livros, a universidade, as revistas cultas são mídia. Dever-se-ia evitar de chamar mídia os canais de informação aos quais não se pode ou não se quer ter acesso. Importa entender como fazer que as diferenças ajam; saber se devemos instaurar uma zona reservada, um "parque cultural" para as frágeis espécies dos cultos, ameaçados pelas grandes aves de rapina da informação, enquanto todo o resto do espaço seria um vasto mercado de bugigangas. Não me parece que semelhante repartição corresponda à realidade. Pior: não me parece de fato desejável. Para fazer que as diferenças úteis ajam não deve haver repartição alguma.

Procuremos fazer uma proposta concreta. Se tudo vai mal, onde se pode começar?

Não, não vai tudo mal. Em todo caso, creio que não se deve confundir a crítica construtiva contra as coisas com as jeremiadas repetitivas contra as pessoas. Com relação a propostas concretas, elas aparecem como "gadgets", se antes não forem precisados alguns princípios gerais. Este, em primeiro lugar: o direito ao saber não deve ser reservado nem a uma idade da vida, nem a certas categorias de indivíduos; se deve poder exercitá-lo ininterruptamente e de formas múltiplas.

Mas esta vontade de saber não é ambígua? Afinal, o que as pessoas farão com todo este saber que está adquirindo? A que pode servir?

Uma das funções principais do ensino consistia nisto: a formação do indivíduo caminhava no mesmo passo da determinação do seu lugar na sociedade. Hoje precisaríamos conceber o ensino de modo tal que permitisse ao indivíduo de se modificar a seu prazer; e isso é possível apenas sob a condição de que o ensino seja uma possibilidade oferecida "permanentemente".

Em suma, você é a favor de uma sociedade culta?

Digo que a vinculação com a cultura deve ser contínua e a mais polimorfa possível. Não deveria haver, por um lado, uma formação que se sofre e, por outro, uma informação a que se é submetido.

O que acontecerá, em uma sociedade culta, com a filosofia eterna?... Ainda temos necessidade dela, das suas interrogações sem resposta e dos seus silêncios diante do incognoscível?

O que é a filosofia senão um modo de refletir, não tanto sobre aquilo que é verdadeiro e aquilo que é falso, mas sobre a nossa relação com a verdade? Às vezes a gente se lamenta por não existir na França uma filosofia dominante. Muito melhor. Não há nenhuma filosofia soberana, é verdade, mas há uma filosofia ou, melhor, há filosofia em atividade. A filosofia é o movimento pelo qual nos libertamos – com esforços, hesitações, sonhos e ilusões – daquilo que passa por verdadeiro, a fim de buscar outras regras do jogo. A filosofia é o deslocamento e a transformação das molduras de pensamento, a modificação dos valores estabelecidos, e todo o trabalho que se faz para pensar diferentemente, para fazer diversamente, para tornar-se outro do que se é. Sob este ponto de vista, os últimos trinta anos foram período de intensa atividade filosófica. A interferência entre a análise, a pesquisa, a crítica "culta" ou "teórica" e as mudanças no comportamento, a conduta real das pessoas, a sua maneira de ser, a sua relação consigo mesmas e com os outros, foi constante e considerável.

Há pouco dizia que a filosofia é um modo de refletir sobre a nossa relação com a verdade. É preciso acrescentar: é um modo de perguntar-se: se esta é a relação que temos com a verdade, como devemos comportar-nos? Creio que tenha sido feito e que se esteja continuando a fazer um trabalho considerável e múltiplo, que modifica, contemporaneamente, o nosso vínculo com a verdade e a nossa maneira de nos comportarmos. E isso em ligação complexa entre uma série de pesquisas e um conjunto de movimentos sociais. É a própria vida da filosofia.

É compreensível que alguns lastimem o vazio atual e busquem, na ordem das idéias, um pouco de monarquia. Mas aqueles que, pelo menos uma vez na própria vida, provaram um tom novo, uma nova maneira de olhar, um outro modo de fazer, aqueles, creio, nunca sentirão a necessidade de se lamentar porque o mundo é um erro, a história está farta de inexistências; é tempo para que os outros fiquem calados, permitindo assim que não se ouça mais o som da reprovação por parte deles...

___________________________________________________________________

FOUCAULT, Michel. Archivio Foucault. Vol. 3. Estetica dell’esistenza, etica, politica. A cura di Alessandro Pandolfi. Milano, Feltrinelli, 1994, pp. 137-144. Tradução portuguesa de Selvino José Assmann. Fpolis, setembro de 2000.

Este texto foi gentilmente cedido por Marco Antonio Frangiotti, e aparece originalmente no site de "textos de interesses filosóficos"
[recolhemos este texto em: http://www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/]

Saturday, October 08, 2005

À sociedade civil onde quer que ela esteja


À sociedade civil onde quer que ela esteja



Desculpe, senhora sociedade civil, que a distraia das suas múltiplas preocupações e reiteradas angústias. Escrevo-lhe apenas para dizer que estamos aqui, que continuamos sendo nós mesmos, que a resistência ainda é nossa bandeira e que ainda acreditamos na senhora. Aconteça o que acontecer, continuaremos acreditando. Porque a esperança, senhora de rosto difuso e nome gigante, já é um vício entre nós.


Vossa Excelência já sabe que o horizonte se cobre de um cinza que muda para preto com a mesma velocidade com a qual andam vendendo a nossa história. No entanto, fique sabendo que a liberdade continua na nossa frente, que continua sendo necessário lutar e que a história ainda está esperando quem complete suas páginas. As coisas são assim, e receando que não nos vejamos de novo, aceite estas três definições muito apropriadas para dias tão nefastos como os que nos esperam:


Liberdade. Diz Durito que a liberdade é como o amanhecer. Alguns o esperam dormindo, mas outros acordam e caminham à noite para alcançá-lo. Eu digo que nós zapatistas somos viciados em insônia e deixamos a história desesperada.

Luta. O Velho Antônio dizia que a luta é como um círculo. Pode começar em qualquer ponto mas nunca termina.


História. A história nada mais é a não ser garatujas escritas por homens e mulheres no solo do tempo. O poder escreve a sua garatuja, a elogia como escrita sublime e a adora como se fosse a única verdade. O medíocre limita-se a ler as garatujas. O lutador passa o tempo todo preenchendo páginas. Os excluídos não sabem escrever ... ainda.


Aceite, senhora estas três flores. As outras quatro chegarão logo ... se é que chegam. Tudo bem. Saúde, e lembre-se que a sabedoria consiste na arte de descobrir a esperança que está atrás da dor.



Das montanhas do sudeste mexicano,


Subcomandante Insurgente Marcos




P.S. Estava esquecendo de recomendar, senhora, que não se deixe enganar por funcionários, colunistas e etcéteras que fazem da mentira um eco infinito. Nada está resolvido, tudo está quebrado. E, no fundo, existem duas apostas: a deles, a da guerra, é de que a senhora continuará indiferente; a nossa, a da paz, aposta que a senhora vai dançar um sapateado que fará tudo tremer, assim como treme o amor quando é verdadeiro.


México, 18 de Maio de 1996.

começos..primeiras postagens



O paciente é ativo demais, excessivamente, para que o termo o nomeie. Desproporção é essa força que faz inadequadas a camisa inaceitável e a saia injusta dessa reiterada situação. Muitas vezes as vozes das terríveis lembranças dos esquecimentos furtam-me todas as atenções. Concentro-me nas indiferenças lisas da parede, ainda quando nem mesmo paredes há. Resistente, atual, a enfrentar o tempo e a eternidade, desdobrando nacos de nadas, tantos nadas com que me distraio para suportar a tensão das paredes que uma a uma e às vezes simultaneamente desabam convergindo em mim, acumulando-se em trincheiras...

Bem-vind@s! Bienvenid@s! Welcome!



Bem vind@s ao espaço virtual onde um desobediente entre tant@s, acolhe quem chega, quem passa, quem fica por um tempo, quem volta... Welcome to desobediente's Blogspot! Thanks for stopping by. Please check out all my blog, and drop me a line to say hi.

Vamos criando nessa rede, territórios de experimentação comum, de variações, de derivas e, por que não?, de convergências por afinidade. Na prática mesma do comum, da reciprocidade: prática e exercício de simetria, como nos tem proposto alguém como Bruno Latour, por exemplo: falar de, e considerar a nós mesm@s como falamos de, e consideramos outr@s, para que reciprocamente tenhamos com outr@s o desejável como critério. E que no entrelaçamento entre desejo e necessidade, sigamos na criativa teimosia da transformação, re-existêcia, resistência afirmativa e constituinte: alegria, felicidade, prazer e sentido, nada menos que o desejável!
Com afeto, gana e alegria,

desobediente x