À sociedade civil onde quer que ela esteja
Desculpe, senhora sociedade civil, que a distraia das suas múltiplas preocupações e reiteradas angústias. Escrevo-lhe apenas para dizer que estamos aqui, que continuamos sendo nós mesmos, que a resistência ainda é nossa bandeira e que ainda acreditamos na senhora. Aconteça o que acontecer, continuaremos acreditando. Porque a esperança, senhora de rosto difuso e nome gigante, já é um vício entre nós.
Vossa Excelência já sabe que o horizonte se cobre de um cinza que muda para preto com a mesma velocidade com a qual andam vendendo a nossa história. No entanto, fique sabendo que a liberdade continua na nossa frente, que continua sendo necessário lutar e que a história ainda está esperando quem complete suas páginas. As coisas são assim, e receando que não nos vejamos de novo, aceite estas três definições muito apropriadas para dias tão nefastos como os que nos esperam:
Liberdade. Diz Durito que a liberdade é como o amanhecer. Alguns o esperam dormindo, mas outros acordam e caminham à noite para alcançá-lo. Eu digo que nós zapatistas somos viciados em insônia e deixamos a história desesperada.
Luta. O Velho Antônio dizia que a luta é como um círculo. Pode começar em qualquer ponto mas nunca termina.
História. A história nada mais é a não ser garatujas escritas por homens e mulheres no solo do tempo. O poder escreve a sua garatuja, a elogia como escrita sublime e a adora como se fosse a única verdade. O medíocre limita-se a ler as garatujas. O lutador passa o tempo todo preenchendo páginas. Os excluídos não sabem escrever ... ainda.
Aceite, senhora estas três flores. As outras quatro chegarão logo ... se é que chegam. Tudo bem. Saúde, e lembre-se que a sabedoria consiste na arte de descobrir a esperança que está atrás da dor.
Das montanhas do sudeste mexicano,
Subcomandante Insurgente Marcos
P.S. Estava esquecendo de recomendar, senhora, que não se deixe enganar por funcionários, colunistas e etcéteras que fazem da mentira um eco infinito. Nada está resolvido, tudo está quebrado. E, no fundo, existem duas apostas: a deles, a da guerra, é de que a senhora continuará indiferente; a nossa, a da paz, aposta que a senhora vai dançar um sapateado que fará tudo tremer, assim como treme o amor quando é verdadeiro.
México, 18 de Maio de 1996.
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